Zumbi dos Palmares: líder do Quilombo dos Palmares
A partir do início do século XVII, os escravos que conseguiam fugir das fazendas e dos engenhos começaram a reunir-se em lugares seguros e ali ficavam vivendo em liberdade, longe de seus senhores. Estes lugares ficaram conhecidos por “quilombos” e seus habitantes, “quilombolas”.
Houve muitos quilombos no Brasil. O mais importante foi o “Quilombo de Palmares”, instalado na Serra da Barriga, onde hoje é o estado de Alagoas. Durou mais de sessenta anos e chegou a contar com uma população de vinte mil habitantes, o que era bastante para a época. Na verdade, era um quilombo formado de vários outros, organizados sob a forma de reino.
Quando houve a Invasão da Holanda, os diversos quilombos que o compunham foram reforçados, pois inúmeros escravos deixavam os lugares onde viviam e iam refugiar-se nos quilombos, aproveitando a ausência dos seus senhores, que também fugiam dos invasores.
Enquanto os brasileiros e portugueses lutavam contra os holandeses, os fugitivos trataram de fortalecer os seus quilombos.
No princípio, para poder viver, os quilombolas praticavam assaltos às fazendas e povoados mais próximos. Pouco a pouco, foram-se organizando, cultivando a terra e trocando parte das colheitas por outras coisas de que precisavam.
Durante o tempo em que brasileiros e portugueses estavam ocupados, combatendo os invasores, os negros viveram sossegados. Logo, porém, que os holandeses deixaram de ser preocupação, os brancos começaram a combater os quilombolas.
Apesar dos inúmeros ataques que realizaram, os brancos não conseguiram arrasar os quilombos, como era sua intenção.
Os quilombos estavam bem reforçados, os negros eram corajosos e, ainda por cima, lutavam pela liberdade!
Por fim, o governo de Pernambuco solicitou a ajuda do bandeirante paulista Domingos Jorge Velho, que preparou uma expedição para derrotar os fugitivos.
Também ele falhou nas primeiras tentativas, mas não desistiu. Organizou um exército realmente poderoso e voltou ao ataque. Mesmo assim, a resistência dos quilombolas foi tão grande, tão valente, que a luta durou perto de três anos.
Os negros tinham uma desvantagem: estavam cercados. Enquanto os atacantes podiam conseguir reforços e munições de fora, principalmente contando com o interesse do governo, os quilombolas encontravam-se sozinhos e apenas podiam contar com o que possuíam. É claro que, um dia, a munição dos sitiados tinha de se esgotar. Quando isto se deu, muitos negros fugiram para o sertão. Outros se suicidaram ou renderam-se aos atacantes.
A Morte de Zumbi
Segundo nos conta a tradição, logo no início da formação do quilombo, foi escolhido um rei: chamava-se Gangazuma. Habitava um palácio denominado Musumba, juntamente com seus parentes, ministros e auxiliares mais próximos. Organizara e mantinha sob seu comando um verdadeiro exército.
Um dia, morreu Gangazuma. Os quilombolas ficaram tristes, mas a vida continuava e eles precisavam de um novo rei.
Elegiam vitaliciamente, um Zumbi, o senhor da força militar e da lei tradicional.
Não havia ricos, nem pobres, nem furtos nem injustiças. Três cercas de madeira rodeavam, numa tríplice paliçada, o casario de milhares e milhares de homens.
Ao princípio, para viver, desciam os negros armados, assaltando, depredando, carregando o butim para as atalaias de sua fortaleza de pedra inacessível.
Depois o governo nasceu e com ele a ordem; a produção regular simplificou comunicações pacíficas, em vendas e compras nos lugarejos vizinhos; constituiu-se a família e nasceram os cidadãos palmarinos.
As plantações ficavam nos intervalos das cercas, vigiadas pelas guardas de duzentos homens, de lanças reluzentes, longas espadas e algumas armas de fogo.
No pátio central, como numa aringa africana, o primeiro governo livre em todas as terras americanas.
Ali o Zumbi distribuía justiça, exercitava as tropas, recebia festas e acompanhava o culto, religião espontânea, aculturação de catolicismo com os rituais do continente negro.
Vinte vezes, durante a existência, foram atacados, com sorte diversa, mas os Palmares resistiam, espalhando-se, divulgando-se, atraindo a esperança de todos os escravos chibateados nos eitos de Pernambuco, Alagoas, Sergipe e Bahia.
A república palmarina desorganizava o ritmo do trabalho escravo em toda a região. Dia a dia fugiam novos cativos, futuros soldados do Zumbi, com seu manto, sua espada e sua lança real.
Debalde o Zumbi levou suas forças ao combate, repelindo e vencendo. O inimigo recompunha-se, recebendo víveres e munições, quando os negros, sitiados, se alimentavam de furor e de vingança.
Numa manhã, todo exército atacou ao mesmo tempo, por todas as faces. As paliçadas foram cedendo, abatidas a machado, molhando-se o chão com o sangue desesperado dos negros guerreiros.
Os paulistas de Domingos Jorge Velho; Bernardo Vieira de Melo com as tropas de Olinda; Sebastião Dias com os homens de reforço – foram avançando e pagando caro cada polegada que a espada conquistava.
Gritando e morrendo, os vencedores subiam sempre, despedaçando as resistências, derramando-se como rios impetuosos, entre as casinhas de palha, incendiando, prendendo, trucidando.
Quando a derradeira cerca se espatifou, o Zumbi correu até o ponto mais alto da serra, de onde o panorama do reino saqueado era completo e vivo. Daí, com seus companheiros, olhou o final da batalha.
Paulistas e olindenses iniciavam a caçada humana, revirando as palhoças, vencendo os últimos obstinados.
Do cimo da serra, o Zumbi brandiu a lança espelhante, e saltou para o abismo.
Seus generais o acompanharam, numa fidelidade ao Rei e ao Reino vencidos.
Em certos pontos da serra ainda estão visíveis as pedras negras das fortificações.
E vive ainda a lembrança ao último Zumbi, o Rei de Palmares, o guerreiro que viveu na morte seu direito de liberdade e de heroísmo...
Serra da Barriga!
Barriga de negranina!
As outras montanhas se cobrem de neves,
De noiva, de nuvens, de verde!
E tu, de Loanda, de panos-da-costa,
De argolas, de contas, de quilombos!
Serra da Barriga!
Te vejo da casa em que nasci.
Que medo danado de negro fujão!...
Jorge de Lima
Onde houve escravidão houve resistência e um dos tipos mais característicos de resistência negra na luta pela liberdade foi a fuga e A formação de grupos de escravos fugidos.
No Brasil esses grupos foram chamados principalmente de quilombos ou mocambos e seus membros de quilombolas, calhambolas ou mocambeiros.
Durante mais de 300 anos de escravidão no Brasil, os quilombos funcionaram como “válvula de escape” para a falta de liberdade e a violência das senzalas.
Já em 1597, numa carta do Padre Pero Lopes, provincial dos jesuítas em Pernambuco, há referências a grupos de escravos revoltados.
O quilombo dos Palmares, nasceu de escravos fugidos, principalmente, dos engenhos de açúcar pernambucanos, que se agruparam inicialmente a cerca de 70 quilômetros a oeste do litoral de Pernambuco, na Serra da Barriga, local de densas florestas de palmeiras (daí o nome Palmares), com terreno acidentado, o que tornava o acesso mais dificil.
O primeiro grupo de escravos construiu seus mocambos numa aldeia que foi denominada de Macaco, nome que poderá ser de origem banto (raça negra do sul da África), apesar dos portugueses o interpretarem como uma menção ao animal macaco. Era também chamada de Cerca Real e tornou-se com a expansão do quilombo sua capital ou quartel general.
Palmares chegou a contar com nove aldeias: Macaco. Andalaquituche, Subupira, Dambrabanga, Zumbi, Tabocas, Arotirene, Aqualtene e Amaro.
A floresta fornecia ao quilombola quase tudo que ele precisava para viver, como frutas para comer; folhas de palma, com a qual cobriam as choupanas; fibras para a confecção de esteiras, vassouras, chapéus, cestos; o coco para fazer óleo; a casca de algumas árvores que serviam para fazer roupas. Além de praticarem a caça e a pesca, eles plantavam milho, mandioca, feijão, legumes, fumo, e cana-de-açúcar, que abasteciam a comunidade e eram também comercializados com povoações vizinhas.
O quilombo era organizado como um pequeno Estado. Havia leis e normas que regulamentavam a vida dos seus habitantes, algumas até muito duras; roubo, deserção ou homicídio eram punidos com a morte. As decisões eram tomadas em assembléias, da qual participavam todos os adultos, sendo aceitas pois resultava da vontade coletiva.
Há registros da presença permanente, além de negros, de mulatos, índios e brancos nas aldeias. Talvez a perseguição existente na época a minorias étnicas, como judeus, mouros e outros, além do combate às bruxas, heréticos, ladrões e criminosos, possa explicar que alguns brancos tenham ido viver no quilombo de Palmares.
Os negros palmarinos eram católicos. Nas aldeias havia igrejas e até padres católicos. Os habitantes falavam várias línguas e dialetos em Palmares, inclusive o português ou um crioulo de português, mas não se sabe qual a língua comum usada no quilombo.
Considerados como uma grave ameaça para a classe dos proprietários rurais, senhores-de-engenhos e fazendeiros, o quilombo foi sistemática e duramente reprimido. Existiam os chamados capitães-do-mato, especialistas na captura dos negros fugidos e periodicamente também eram organizadas expedições para destuir seus esconderijos.
As expedições, também conhecidas como “entradas”, vasculhavam a floresta a procura dos negros “rebeldes”.
Apesar da freqüência com que essas expedições eram enviadas, surgiram diversos quilombos no Brasil, principalmente no Nordeste, e o de Palmares foi o mais conhecido pela sua organização e resistência.
De 1602 até 1694, foram enviadas diversas expedições para destruir Palmares, tanto pelos portugueses como também pelos holandeses que invadiram Pernambuco, em 1630. Nessa época, já existia no quilombo cerca de 10 mil habitantes. Até 1640, Palmares cresceu tanto que os flamengos chegaram a considerá-lo “um sério perigo”, enviando duas expedições para destruí-lo, uma em 1644 e outra em 1645, sem sucesso.
Depois que os holandeses deixaram o Brasil, em 1654, os portugueses organizaram mais inúmeras expedições contra Palmares, pondo em marcha, a partir de 1670, um plano de destruição sistemática. As batalhas eram sangrentas, havendo baixas dos dois lados, mas sem nenhum vencedor.
Em 1674, foi enviada pelo então governador da província de Pernambuco, Pedro de Almeida, uma grande expedição, com a presença de índios e uma tropa de negros chamada Terço de Henrique Dias, que havia sido criada para combater os holandeses, porém também dessa vez a luta terminou sem um vencedor.
Em 1675, Manuel Lopes à frente de um grande exército destruiu uma das aldeias de Palmares, capturando dezenas de negros e instalando-se no local conquistado. Em 1676, recebeu a ajuda de um grande estrategista na luta contra quilombolas e índios, Fernão Carrilho, o qual, em 1677, atacou de surpresa Aqualtene, montou seu quartel general na aldeia e fez uma série de ataques, matando um e aprisionando outros dois filhos de Ganga Zumba, o rei de Palmares, capturando depois o próprio rei.
O governador Pedro de Almeida temendo uma reorganização futura do quilombo, propôs um acordo de paz a Ganga Zumba: Palmares submeter-se-ia à Coroa Portuguesa em troca de liberadade administrativa, seria considerada uma vila e Ganga Zumba receberia o cargo de mestre-de-campo.
Militarmente em desvantagem o acordo foi aceito, mas a decisão não agradou a todos os palmarinos. Ganga Zumba foi envenenado e Zumbi (chefe da aldeia Zumbi), tornou-se rei do quilombo.
Zumbi, o novo rei, conseguiu derrotar todas as expedições enviadas a Palmares, entre 1680 e 1691, tornando-se temido e respeitado.
Em 1691, o novo governador de Pernambuco, Souto Mayor, organizou um exército para acabar definitivamente com o quilombo dos Palmares, contratando um célebre sanguinário exterminador de índios chamado Domingos Jorge Velho.
Em 1692, Domingos Velho atacou a aldeia de Macaco, local onde ficava Zumbi e teve suas tropas arrasadas. Pediu reforço e recebeu a ajuda de tropas chefiadas por Bernardo Vieira de Melo.
Até janeiro de 1694, o quilombo ficou sitiado, mas repeliu todas as investidas do exército, capitulando finalmente no dia 6 de fevereiro desse mesmo ano, quando o exército com as tropas reforçadas invadiu o local e derrotou os quilombolas.
Zumbi conseguiu escapar e só foi capturado um ano depois. Morto e esquartejado, teve sua cabeça exposta na cidade de Olinda.
Fonte: www.fundaj.gov.br